quarta-feira, 18 de abril de 2018

QE, 19 de Abril. Textos em análise.

22.5 Hiérocles, Elementa Ethica 1.1-5.
Considero que o melhor começo dos Elementos de Ética é a discussão sobre o primeiro familiar ao animal (ὁ περὶ τοῦ πρώτου οἰκείου τῶι ζώιωι λόγος).
O animal distingue-se do não animal por duas coisas: percepção e impulso (αἴσθησις τε καὶ ὁρμῆι). […] Parece oportuno falar brevemente sobre a percepção, pois é a percepção que nos conduz ao conhecimento do primeiro familiar (φέρει γὰρ εἰς γνῶσιν τοῦ πρώτου οἰκείου). 

Não devemos ignorar que o animal, de modo directo e simultâneo ao seu nascimento, se apercebe de si mesmo (οὐκ ἀγνοητέον ὅτι τὸ ζῶον εὐθὺς ἅμα τῶι γενέσθαι αἰσθάνεται ἑαυτοῦ). Alguns acreditam que a natureza confere a percepção ao animal para que capte as coisas exteriores e não para que também se pereceba a si próprio (πρὸς τὴν τῶν ἐκτὸς ἀντίληψιν, οὐκέτι δὲ καὶ πρὸς τὴν ἑαυτοῦ).

Os animais percebem, em primeiro lugar, as suas próprias partes (τὰ ζῶια πρῶτον μὲν μερῶν τῶν ἰδίων αἰσθάνεται ): assim os seres alados percebem a disponibilidade e a adequação das asas para o voo, e os seres terrestres percebem cada uma das suas próprias partes, não apenas que as têm mas também para que uso as têm (ὅτι ἔχει καὶ πρὸς ἣν ἔχει χρίαν). Nós próprios também percebemos os nossos olhos, ouvidos e demais órgãos sensoriais. Deste modo, então, quando desejamos ver algo estendemos os nossos olhos na direção  do objecto visível e não os ouvidose, quando desejamos ouvir algo estendemos os nossos ouvidos e não os nossos olhos. E quando desejamos dar um passeio não usamos as mãos para andar mas usamos por completo os pés e as pernas e do mesmo modo, quando queremos agarrar ou dar qualquer coisa não usamos as pernas mas as mãos. Portanto, a primeira prova de que todo o animal se percebe a si mesmo é a consciência das suas partes e das funções por causa das quais as partes lhes foram conferidas (αἰσθάνεσθαι τὸ ζῶιον ἅπαν ἑαυτοῦ ἡ τῶν μερῶν καὶ τῶν ἔργων, ὑπὲρ ὧν ἐδόθη τὰ μέρη, συναίσθησις). A segunda prova é que os animais não se encontram inconscientemente dispostos a respeito dos equipamentos de que estão dotados como meios de defesοὐδὲ τῶν πρὸς ἄμυναν παρασκευασθέντων αὐτοῖς ἀναισθήτως διάκειται).

Com efeito, quando os touros se preparam para combater contra outros touros ou com certos animais de outras espécies põem os seus cornos à frente do seu corpo, como se fossem as suas armas conaturais para a contenda. Também cada um dos demais animais se encontra assim numa relação com a sua arma apropriada e, por assim dizer, conatural. […] Mais ainda. Os animais estão conscientes de que partes são fracos em si mesmos e de que partes das que existem neles são fortes e resistentes. 

Assim, o touro, quando se prepara para o ataque, põe os seus cornos diante do resto do seu corpo. A tartaruga, quando está consciente de um ataque, esconde a sua cabeça e as suas patas na sua carapaça, as partes vulneráveis na parte dura e menos atacável. O caracol também faz algo de parecido ao refugiar-se na sua concha quando está consciente de um perigo. A ursa parece não ignorar a debilidade da sua cabeça, razão pela qual, quando é golpeada com paus ou alguns outros objectos capazes de ferir essa parte, põe as suas mãos sobre a cabeça, que recebem, então, a violência dos impactos. Algo de parecido também faz o sapo, um animal muito hábil a saltar, o qual sem dúvida não é superado na sua capacidade de saltar por nenhum outro animal, pelo menos dos que são do seu tamanho. E, certamente, está consciente de quanto se estende um intervalo de espaço. Pois bem, se é empurrado por uma ribanceira abaixo, não se fia na sua própria capacidade de saltar para a frente, e atira-se a si mesmo para o chão. Mas não se atira de qualquer maneira. Antes, infla-se a si mesmo para fichar inchado o máximo que puder de forma semelhante a um odre cheio de ar, deixa-se cair enquanto levanta as suas patas e a sua cabeça e industria-as a respeito de como atenuar com as suas partes inchadas os danos da queda. [Os] animais têm consciência não apenas das debilidades dos outros animais, mas também da sua força e quais constituem uma ameaça para si e com quais podem evitar as hostilidades e com quem têm por assim dizer um acordo indissolúvel. 

Se os animais não percebessem as vantagens que os fazem superiores aos demais animais, tal não sucederia. Com efeito, a captação de algo externo não se cumpre sem a percepção de si mesmo (καθόλου γὰρ οὐ συντελεῖται τῶν ἐκτὸς τινος ἀντίληψις δίχα τῆς ἑαυτῶν αἰσθήσεως), pois junto com a percepção de branco, por assim dizer, também percebemo-nos a nós mesmos embranquecidos e com a percepção de doce adoçados e com a percepção de quente aquecidos, e de maneira análoga também sucede nos demais casos.

Portanto, desde o momento em que, sem dúvida, o animal recém nascido percebe algo e junto com a percepção de alguma outra coisa nasce a percepção de si mesmo, é evidente que os animais desde o começo poderiam perceber-se a si mesmos. Em termos gerais não se pode ignorar que a potência da condução  começa por si mesmo (ὥστ’ ἐπειδὴ πάντως μὲν γεννηθὲν εὐθὺς αἰσθάνεταί τινος τὸ ζῶιον, τῆι δ’ ἑτέρου τινὸς αἰσθήσει συμπέφυκεν <ἡ> ἑαυτοῦ, φανερὸν ὡς ἀπ’ ἀρχῆς αἰσθάνοιτ’ ἂν ἑαυτῶν τὰ ζῶια. τοῖς δ’ ὅλοις οὐκ ἀγνοητέον, ὡς ἡγεμονικὴ πᾶσα δύναμις ἀφ’ ἑαυτῆς ἄρχεται).

A natureza que coere, conserva, nutre e faz crescer uma planta pareicipa ela mesma antes por si mesma destas mesmas partes. Um argumento semelhante aplica-se a qualquer tipo de princípio, inclusivamente à percepção, uma vez que ela mesma é um poder que tem o carácter de um princípio e é uma coisa mais coesiva que a condição e também que a natureza, é manifesto que poderia a começar a partir de si mesma e que, antes de apreender alguma das outras coisas se perceberia a si mesma. ἥ τε φύσις, ἡ συνέχουσα καὶ σώζουσα καὶ τρέφουσα καὶ αὔξουσα τὸ φυτόν, αὐτῶν τούτων πρότερον αὐτὴ μετέχει παρ’ αὑτῆς. ὁ δὲ παραπλήσιος λόγος κατὰ πάσης ἀρχῆς, ὥστε καὶ ἡ αἴσθησις, ἐπειδὴ καὶ αὐτὴ δύναμίς ἐστιν ἀρχική, προσεχέστερον δέ ἐστι χρῆμα ἢ ἕξις τε καὶ φύσις, δῆλον ὅτι ἄρχοιτ’ ἂν ἀφ’ ἑαυτῆς καὶ πρὶν τῶν ἑτέρων τινὸς ἀντιλαβέσθαι, ἑαυτῆς αἰσθάνοιτο.

O aspecto principal e geral do argumento precedente é que o animal, mal nasce, percebe-se a si mesmo. Depois disto, então, é óbvio que, quando nele surge uma apresentação (representação, impressão, sensação, ideia) de si mesmo, retém o persuasivo que concerne à apresentação- com efeito como poderá ser de outro modo e dá-lhe o seu assentimento. De qualquer modo, há que entender este assentimento à apresentação (representação, impressão, sensação, ideia de si) que o animal se compraz consigo ou não se compraz consigo ou nem se compraz nem deixa de se comprazer consigo. Mas a natureza também poderia receber a acusação de que se esforça em vão sobre tais coisas antes do nascimento, se recém nascido, o animal não vem a comprazer-se consigo mesmo (ἡ   (40) φύσις, ὡς μάτην τὰ τοιαῦτα καμοῦσα φαίνέσθαι, εἰ μὴ μέλλει τὸ ζῶιον εὐθὺ γενόμενον ἀρέ-
σειν ἑαυτῶι ). É por isso que ninguém, nem mesmo Margites, diria que, uma vez nascido o animal não se compraz consigo mesmo nem com a apresentação a si de si mesmo. Por outro lado, também não se dá o caso de lhe ser indiferente, pois o mesmo não ter comprazimento em si tal como o estado de não comprazimento leva à destruição do animal e ao desprezo da natureza (διὰ ταῦτα οὐκ ἄν μοι δοκεῖ τις, οὐδὲ Μαργείτης ὤν, εἰπεῖν ὥς τε γεννηθὲν τὸ ζῶιον ἑαυτῶι τε καὶ τῆι φαντασίαι τῆι ἑαυτοῦ δυσαρεστεῖ· καὶ μὴν οὐδ’ ἀρρεπῶς ἴσχει· οὐχ ἧττον γὰρ τῆς δυσαρεστήσεως καὶ αὐτὸ τὸ μὴ εὐαρεστεῖν πρός τε ὄλεθρον τοῦ ζώιου καὶ πρὸς κατάγνωσιν φέρει τῆς φύσεως·).  

De onde se segue que este argumento nos força a reconhecer que o animal ao receber a primeira percepção de si mesmo imediatamente está familiarizado consigo mesmo e com a sua própria constituição. […] Cada animal, na medida das suas possibilidades, faz o que lhe diz respeito pela sua própria conservaçãoo, evitando de longe toda a armadilha e industriando-se para permanecer desafectado pelos seus ataques, lançando-se na direcção dos factores de conservação e proporcionando-se todos os bens para a sua permanência. […] A natureza, com efeito, também é hábil a infundir e difundir um amor intenso por si mesmos a estes animais, já que a ser de outra maneira a sua conservação seria inviável. É por isso, portanto, que também me aprece que as crianças não suportam facilmente permanecer fechados em divisões escuras sem som algum. Com efeito ao estirar os seus órgãos sensoriais, sem conseguirem escutar nem ver nada, recebem a apresentação da sua própria destruição e por isso sofrem. 

τὸ ζῶιον, τὴν πρώτην αἴσθησιν ἑαυτοῦ λαβόν, εὐθὺς ὠικειώθη πρὸς ἑαυτὸ καὶ τὴν ἑαυτοῦ σύστασιν.

τί γάρ; οὐχὶ κατὰ τὴν ἑαυτοῦ δύναμιν ἕκαστον ποιεῖ τὸ ἐπιβάλλον ὑπὲρ τῆς ἑαυτοῦ συντηρήσεως, ἐκκλεῖνον μὲν πᾶσαν ἐπιβουλὴν πόρρωθεν καὶ διαφεύγειν μηχανώμενον ἀπαθὲς ἐκ τῶν σφαλερῶν, ...τον δ’ ἐπὶ τὰ σωτήρια καὶ πάντ’ ἀγαθὰ καὶ ποριζόμενον τὰ πρὸς διαμονήν.


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